Muito além do glúten! Conheça os inibidores de amilase-tripsina (ATIs)
E porque se manter longe do trigo (ou da maioria dos grãos).
Após muito tempo, cá estou eu para um novo terrorismo assunto alimentar.
Pois bem, lá estava eu rondando uma rede social quando me deparei com uma médica falando de algo que eu nunca tinha ouvido falar sobre: os inibidores de amilase-tripsina (ATIs) relacionados com a piora do autismo. Se você lê meu blog, ou me conhece, sabe que eu gosto de pesquisar sobre alimentação, eixo intestino-cérebro e doenças, uma vez que descobri na microbiota intestinal a solução de muitos dos meus problemas.
Pois bem. Quando pensamos em grãos, mais especificamente o trigo, é comum focar no glúten. Eu também pensava assim, até saber que existem mais proteínas antinutricionais presentes também.
Mas para quem não sabe, o glúten é uma proteína presente em muitos grãos, como o trigo, centeio, cevada e aveia. Essa proteína imunogênica, citotóxica e pró-inflamatória também é capaz de afetar a microbiota intestinal, alterar a permeabilidade intestinal (causando leaky gut syndrome), aumentar o estresse oxidativo, alterar a epigenética, sendo gatilho de muitas doenças autoimunes, autismo, TDAH e depressão. Isso são apenas alguns exemplos - diferentes pessoas sentem diferentes sintomas, principalmente em pessoas celíacas.
Eu digo e repito: o trigo é um dos alimentos mais inflamatórios da dieta moderna.
Muitos estudos já provaram que dietas contendo glúten causam inflamação no hipotálamo, o que indica neuroinflamação induzida pela alimentação. O glúten, mais especificamente a gliadina, estimula a liberação de zonulina, levando ao “intestino permeável”, o que permite a entrada de vários antígenos alimentares, como também de endotoxinas e peptídeos parcialmente digeridos, os quais seguem percurso na corrente sanguínea e disparam uma cascata inflamatória e imunológica. A gluteomorfina é um componente do trigo que possui efeito opióide, ou seja, causa dependência alimentar, alteração do humor e da atenção e névoa cerebral. Além disso, os FODMAPs fermentam facilmente no intestino e afetam o eixo intestino-cérebro, além de causar desconforto abdominal. Já os carboidratos de rápida absorção favorecem a resistência à insulina, impactam o humor e cognição e desregulam o metabolismo.
Entretanto, a toxicidade imunológica do trigo vai muito além do glúten (e da gliadina propriamente dita).
Enquanto isso, os inibidores de amilase-tripsina (ATIs) são um grupo de proteínas encontradas em todos os cereais (cerca de 2 a 4% da proteína total), como o trigo, cevada, centeio, milho e arroz, que ativam o sistema imune inato via receptores TLR4, independentemente de ter ou não a presença de glúten. Ou seja, mesmo sem a doença celíaca, indivíduos apresentam respostas inflamatórias sistêmicas em resposta ao consumo do trigo moderno e industrializado. Isso é excepcionalmente importante, visto que os ATIs possuem o potencial de afetar e causar doenças em qualquer pessoa.
Essas proteínas estão presentes nas sementes como componentes naturais protetores das plantas contra os patógenos, pragas e doenças. Isso é, eles são uma espécie de defesa natural dos vegetais para impedir serem consumidos por predadores. Sabendo disso, os inibidores de amilase-tripsina, como o próprio nome já diz, inibem as atividades de enzimas degradadoras de nutrientes: a alfa-amilase (envolvida na degradação do amido) e a tripsina (envolvida na degradação de proteínas). Além disso, os ATIs são resistentes à digestão e altamente estáveis ao calor (resistem ao cozimento), não desaparecendo ao pão ser assado, por exemplo, e permanecendo biologicamente ativos.
Os ATIs estão associados a diversas desordens, como inflamação intestinal, artrite reumatóide, esclerose múltipla e exacerbação de asma. No intestino, essas proteínas estimulam as células imunes, ativando células mielóides do sistema imune presentes no intestino e induzindo uma resposta imune inata.
Elas são caracterizadas como alérgenos, principalmente em crises respiratórias e de eczemas. Não obstante, pesquisas mais recentes apontam outros efeitos adversos que não são derivados à doença celíaca, causando sintomas gastrointestinais, como inchaço e diarreia, cansaço, dor de cabeça, dor nos músculos e articulações, depressão e ansiedade. Assim sendo, percebe-se que o consumo de ATIs leva ao desenvolvimento de inflamação em tecidos além do intestino e gânglios linfáticos, piorando os sintomas de artrite reumatoide, esclerose múltipla, asma, lúpus e esteatose hepática, como também prejudicando o baço, rins e cérebro, sendo um gatilho para pessoas com condições autoimunes crônicas caracterizadas por inflamação, piorando ainda mais os sintomas.
Os ATIs, além de tudo já dito, também são responsáveis pelo aumento da síndrome metabólica e da doença hepática gordurosa não alcoólica. Em um estudo realizado em 2019, pesquisadores alimentaram camundongos com ATIs e perceberam que os mesmos desenvolveram níveis mais altos de triglicerídeos e transaminases séricas quando comparados aos outros ratos que não consumiram ATIs, indicando um aumento da gordura visceral e hepática (inflamação do fígado e do tecido adiposo), além de maior resistência a insulina, predispondo à diabetes e obesidade.
Se você ainda receia em tirar os grãos (e o trigo) da sua dieta, saiba que os ATIs também contribuem muito para a inflamação alérgica das vias aéreas, contribuindo para a asma, sinusite, rinite e e condições respiratórias alérgicas relacionadas. Somente à exposição a esses alérgenos transmitidos pelo ar foi capaz de aumentar vários marcadores inflamatórios nas vias aéreas dos camundongos com uma dieta presente em ATIs.
Sendo assim, a retirada do trigo não é modismo, é uma medida de saúde e anti-inflamatória baseada em bioquímica e imunologia, uma vez que pode aliviar os sintomas e até interromper ou retardar a progressão de inúmeras doenças, principalmente as doenças autoimunes.